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Servidores da FUNAI em Santarém são “servidores de rua”

O BOTO
out. 2 - 5 min de leitura
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Como falar da situação da FUNAI hoje em Santarém sem nos remetermos a como surge o órgão indigenista e a quais forças ele serviu em sua criação? Em substituição ao SPI (Serviço de Proteção ao Índio, criado em 1910), em 1967, em plena Ditadura Militar, foi criada a FUNAI, órgão que teria como princípio a proteção dos direitos povos originários. Mas que direitos eram esses em um tempo em que os direitos de todos estavam sendo postos de lado? Se nós temos conhecimento de inúmeros torturados e assassinados pela ditadura, com os povos indígenas esse número foi ainda maior e a repercussão silenciada, mesmo nos dias atuais. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) em sua investigação levanta o número de pelo menos 8.350 indígenas mortos no período da ditadura e estipula que esse número deverá ser exponencialmente maior. A Constituição Cidadã de 1988, junto com o retorno do nosso país à democracia, a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Organização das Nações Unidas (ONU) trouxeram respaldo às ações mais efetivas de proteção aos direitos dos indígenas, podendo a FUNAI fazer juz ao objetivo para o qual foi criada, rompendo com a perspectiva tutelar e integracionista do SPI e da FUNAI no Regime Militar. Estamos falando de um processo, em que a cobrança da sociedade é fundamental para que ele se efetive. Quando falamos de direitos dos povos originários, não estamos falando de um outro distante, no passado, mas de populações com culturas vivas e em relação com a sociedade envolvente como um todo.

Vivemos uma situação de violência contra os povos indígenas de duas faces, de um lado continuamos presenciando massacres com requintes de crueldade à povos isolados, como foi no caso ocorrido recentemente no Amazonas, de outro temos uma sociedade que coloca em questão a "indigenidade" dos povos que foram massacrados num passado recente, mas que resistem e se reinventam no seu modo de vida, não deixando de lado sua pertença cultural. Essa segunda violência parece mais branda face à aberração que é a primeira, no entanto ela está presente em todos os aspectos da vida destes indígenas, todos os dias.

A FUNAI em Santarém se divide em dois escritórios: um é a Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema (FPEC), que lida com esses povos isolados e de recente contato, passíveis de sofrerem a primeira violência, o outro é a Coordenação Técnica Local (CTL) de Santarém, que lida com os 13 povos do Tapajós, Arapiuns e Planalto Santareno, aqueles que sofrem principalmente da segunda violência, mas que também estão sujeitos à primeira (vide o caso do índio Galdino em 1997 e das ameaças sofridas pelos Borari do Maró no conflito com madereiros).

A CTL foi criada em 2013 com o objetivo de atender esses 13 povos, divididos em aproximadamente em 60 aldeias. As demandas incluíam proteção territorial, novas demarcações, saúde e educação especial, benefícios sociais como aposentadoria e salário maternidade, suporte para casos de violência, preconceito, entre outros. Eram três servidores para um mundo de demandas e pouca estrutura. A falta de estrutura sempre foi uma característica desse órgão. O sentimento junto com as dificuldades institucionais era que a própria sociedade local não reconhecia os indígenas daqui por serem já "integrados". Que integração é essa em que o preconceito permanece vivo cotidianamente na vida desses indígenas? O que já era difícil, em 2016 piorou, houve um grande contingenciamento de recursos da FUNAI. No dia 09 de maio de 2017 foi nomeado um general do Exército para presidência da FUNAI. Também no início do ano a CTL perdeu sua sede em Santarém. Como garantir os direitos dos indígenas se os próprios servidores da FUNAI não possuem a mínima condição de trabalho? Os servidores da FUNAI em Santarém são “servidores de rua”. Se para os servidores isso é um problema grave, o que dizer dos indígenas desassistidos? Esse é um exemplo da situação de Santarém, mas aqueles que foram assassinados no Vale do Javari por garimpeiros também haviam perdido servidores, recursos e sedes da FUNAI por lá. O desmonte da FUNAI pode não afetar você diretamente, ou pelo menos pode parecer que não afeta. Estamos vivendo hoje o desmonte do nosso Estado e, quando se trata de perda de direitos, todos perderão, nessa e nas futuras gerações. A situação dos povos indígenas no Brasil depois da invasão lusitana nunca foi tranquila, são mais de 500 anos de resistência e luta. Até o ano passado as lutas foram no sentido de ampliação dos direitos, hoje temos que lutar para não perdê-los, enquanto trabalhadores, enquanto indígenas, enquanto cidadãos brasileiros.  

 

Fontes de informação:

http://www.cnv.gov.br/

http://www.funai.gov.br/

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

http://amazoniareal.com.br/filho-de-sertanista-e-um-general-do-exercito-tem-os-nomes-indicados-para-chefia-da-funai/

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm

http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2009/11/declaracao-universal-dos-direitos-humanos-garante-igualdade-social

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/os-indios-isolados-foram-massacrados-mas-funai-diz-que-nao-ha-provas

http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/indio-galdino-foi-queimado-vivo-por-cinco-rapazes-em-brasilia-em-abril-de-1997-11510805


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